Luta contra o racismo e memória de Alcindo Monteiro
Luta contra o racismo e memória de Alcindo Monteiro juntam centenas em Lisboa. A manifestação partiu do local onde foi encontrado o corpo de Alcindo Monteiro, na Rua Garrett, e fez um breve percurso até ao Largo do Carmo, local onde o regime ditatorial se rendeu no 25 de Abril de 1974.
Mais de meio milhar de pessoas realizaram esta terça-feira a maior homenagem a Alcindo Monteiro no centro de Lisboa, num protesto contra o racismo para evocar o jovem, morto há 30 anos.
Alcindo Monteiro foi vítima de violência racial por neonazis a 10 de junho de 1995 e morreu dois dias depois, tornando-se uma prova de que o racismo é um problema em Portugal, segundo os promotores da manifestação. Logo no início da pequena marcha, Xavier, seis anos, segurava com orgulho o cartaz que desenhou em cartão, no qual se podia ler “Racismo é crime”. “Há muitos anos, morreu aqui uma pessoa porque tinha uma cor da pele diferente da minha. E eu não quero que façam isso ao meu pai”, afirmou o menino, de pele branca, filho de um moçambicano. Convocada pela Frente Anti-Racista e pelo movimento Vida Justa, a que se juntaram sete dezenas de organizações, a manifestação partiu do local onde foi encontrado o corpo de Alcindo Monteiro, na Rua Garrett, e fez um breve percurso até ao Largo do Carmo, local onde o regime ditatorial se rendeu no 25 de Abril de 1974.
Ao som de tambores, as centenas de pessoas gritavam palavras de ordem como “estamos fortes, estamos juntos” e cantavam “a nossa luta é todo o dia, contra o racismo, fascismo e xenofobia”. No início do grupo, a Frente Anti-Racista empunhava uma faixa com a inscrição “Unidos contra o Racismo e Xenofobia”, seguida de bandeiras da Vida Justa e depois pró-Palestina.
O coletivo juntava várias causas, desde cartazes em que se podia ler “agir já”, de movimentos ambientalistas, “direitos iguais, papéis para todos”, de movimentos imigrantes, “rendas acessíveis” ou “violência policial mata”, dos bairros periféricos.
Segundo Henrique Chaves, dirigente da Frente Anti-Racista, esta foi a maior das manifestações realizadas a 10 de junho, “para homenagear Alcindo Monteiro, mas também para reforçar a luta contra o racismo em Portugal”.
“O racismo é sistémico em Portugal e mata pessoas”, afirmou, salientando, numa referência a outros casos em que existe a suspeita de violência racial na origem das mortes, que “não foi apenas Alcindo Monteiro — há um ano morreu Odair Moniz, há cinco anos morreu Bruno Candé”.
O resultado das eleições legislativas de maio trouxe uma “maioria parlamentar que não é favorável aos imigrantes, não é favorável às pessoas negras ou aos ciganos”, alertou ainda Henrique Chaves.
“Não é só o partido Chega que é um problema. É um problema o Governo [PSD/CDS], que atacou os imigrantes várias vezes no anterior mandato. É um problema a Iniciativa Liberal, que quer avançar com um retrocesso na Constituição”, exemplificou o dirigente.
Por seu turno, Flávio Almada, do movimento Vida Justa, explicou que “há cada vez mais pessoas que se juntam à luta”, que “não é uma luta dos bairros, dos negros ou dos ciganos, mas é uma luta da sociedade toda”.
Na manifestação desta terça-feira, sublinhou, juntaram-se várias reivindicações, sinal de que as causas de cada movimento “podem ser diferentes, mas as coisas estão interligadas”.
“O racismo está ligado à racialização do trabalho, ao acesso à saúde, […] desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde faz parte das nossas causas”, exemplificou.
“O nosso inimigo é a minoria dos ricos que exploram a sociedade e, por isso, faz sentido estarmos todos juntos”, acrescentou Flávio Almada, que se mostrou também preocupado com o resultado das eleições de maio. Na sua leitura, as legislativas nacionais “puseram a nu essa mentalidade colonial, herdada de uma história de violência total que é o colonialismo, cujo legado é o racismo na sociedade portuguesa”. O racismo, sublinhou, “é uma questão do exercício do poder” e hoje, acrescentou, “há uma cegueira de alguma pseudoelite intelectual que nega ver o óbvio, que é o racismo impregnado em toda a sociedade portuguesa”, alimentado por uma “estrutura que organiza e produz racismo para seu benefício económico”. À passagem da manifestação, muitos turistas no Largo do Chiado olhavam com curiosidade e até houve quem aderisse. Benedita Perez é espanhola e está de férias em Portugal. Primeiro, ao ver tantas bandeiras da Palestina, pensou que era um protesto contra Israel, mas depois, ao perceber o alcance do protesto, decidiu juntar-se.
“O racismo é uma coisa comum. Os racistas estão a crescer em todo o lado. Não é só Portugal, é também no meu país ou nos Estados Unidos. Se nós não nos mexermos, eles vencem”, disse a professora de História de Valladolid.
Resumo
- 1 Assassinato
- 2 Julgamento do seu assassinato editar
- 3 Reconhecimentos
- 4 Esquerda.net
- 5 10 de Junho de 1995
- 6 A Guerra de Inverno: quando a Finlândia humilhou os russos
- 7 Características, Avaliação e Tratamento Coronavírus (COVID-19)
- 8 Crise na Venezuela:
- 9 Os 14 homens mais carrascos da Segunda Guerra
- 10 Irão libertou 85.000 prisioneiros por causa do coronavírus
Assassinato
Na noite de 10 de junho de 1995, Alcindo Monteiro apanhou o barco do Barreiro para Lisboa, com o objetivo de ir dançar ao Bairro Alto. Foi interceptado e violentamente espancado por um grupo de nacionalistas skinheads, na zona do Chiado, vindos de um jantar comemorativo do Dia da Raça, designação dada durante o Estado Novo ao Dia de Portugal, celebrado a 10 de Junho.
Monteiro foi encontrado sem sentidos na Rua Garrett, em frente à montra da casa Gianni Versace, sendo transportado para o Hospital de São José, juntamente com outras nove vítimas de agressões, todas elas negras. Foi João Lourenço quem ligou para o 115. O relatório médico indicava “hemorragias sub-pleurais e sub-endocirdicas; edema pulmonar; graves lesões traumáticas crânio-vasculo-encefálicas; lesão no tronco cerebral; edema cerebral muito marcado; fractura da calote craniana”. Alcindo Monteiro entrou em coma profundo nas primeiras horas da madrugada de 11 de junho de 1995. O seu óbito seria declarado às 10h30 da manhã de 12 de junho.
Julgamento do seu assassinato
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O julgamento do caso teve início no dia 31 de janeiro de 1997, no tribunal de Monsanto, presidido pelo juiz João Martinho. Foram identificados 17 arguidos, julgados por genocídio, um crime de homicídio e dez ofensas corporais, e ouvidas 84 testemunhas. As sessões estenderam-se até 4 de Junho do mesmo ano. Os arguidos foram Mário Machado, Nuno Cláudio Cerejeira, Nuno Monteiro, Nélson Silva, Nuno Themudo da Silva, Jaime Helder, Alexandre Cordeiro, José Lameiras, Hugo Silva, João Martins, Ricardo Abreu, José Paiva, Jorge Martins, Tiago Palma, Jorge Santos, Nélson Pereira e João Homem.
Foi o depoimento do arguido José Lameiras que permitiu a identificação dos restantes agressores e o seu nível de envolvimento na agressão. João Lourenço depôs como testemunha ocular da agressão, mas não conseguiu identificar nenhum dos agressores.
No dia 2 de Maio, o Ministério Público deixou cair a acusação de genocídio. No dia 4 de Junho de 1997, a sentença ditou penas únicas de 18 anos de prisão a Nuno Themudo da Silva, Nuno Monteiro, Hugo Silva, Ricardo Abreu, José Paiva e Tiago Palma; 17 anos e seis meses de prisão para Jaime Hélder, Nélson Silva e João Martins e 16 anos e seis meses de prisão para Alexandre Cordeiro. Foram ainda proferidas penas mais leves para Mário Machado (quatro anos e três meses), Nuno Cerejeira (dois anos e seis meses), Jorge Martins e Nélson Pereira (três anos e nove meses). Jorge Santos e João Homem foram absolvidos.
Reconhecimentos
Em 2020, a Câmara Municipal de Lisboa colocou na Rua Garrett, local onde Alcindo foi assassinado, uma placa em sua homenagem.
Em 2021 foi lançado o documentário “Alcindo” realizado por Miguel Dores. O documentário relata a noite do assassinato e reflete ainda sobre a violência e ataques racistas, em Portugal. O documentário foi vencedor do Prémio do Público na edição de 2021 do Doclisboa e nesse mesmo ano ganhou ainda o prémio de Melhor Documentário e o Grande Prémio do Festival Caminhos do Cinema Português.
Esquerda.net
Relembro que Alcindo Monteiro foi pontapeado, por ser negro.
05 de novembro 2019 – 22:58
Nuno Cláudio Cerejeira, que esteve no programa da RTP “A nossa tarde”, foi condenado, como outros foram, nele não há sinais de arrependimento e tem seguidores. Artigo de Soraia Simões de Andrade. Por Soraia Simões de Andrade.

Imagine-se um cenário em que alguém chega a casa de outro alguém, mata-o, vai ao notário mudar de nome e, em função disso, deixa de fazer sentido a acusação ou a sentença. Ora, foi isto que o Tribunal Constitucional fez em Janeiro de 1994 no decorrer da leitura da sentença do caso referente ao assassinato de José Carvalho, duramente criticado na altura, entre outros, por Teixeira da Mota ou José Falcão, fundador do SOS Racismo, justificando-o com o facto de o MAN se ter entretanto dissolvido.
Ao MAN (1985 e 1992), que começou por se definir como Associação Cultural Acção Nacional, uma associação de direita radical, aderiu alguma da juventude oriunda da margem sul do rio Tejo em dissidência ou desagrado com a Democracia Cristã preconizada pelo CDS. O líder do MAN terá entendido que os skin podiam representar a base de militância que o MAN nunca conseguiu congregar. Razão pela qual os materiais do MAN começaram a circular no meio skin. Meio esse bastante impermeável, na medida em que os skin, principalmente da margem sul, não queriam ser controlados por ninguém nem estavam muito interessados em política, apenas em “cultura suburbana” que, nesta altura, exprimiam na música e nos concertos que frequentavam, em copos e bebedeiras, em pichadas nas paredes e nos confrontos violentos de rua ou em recintos fechados, como aconteceria aquando da morte de José Carvalho.
Os grupos Hammerskin e Blood&Honour, um deles a que pertencia Nuno Cláudio Cerejeira, redes internacionais de extrema-direita, também se procuraram afirmar na década de noventa com primícias idênticas: onde o culto da violência, e especialmente da violência física motivada pela identidade, orientação, ou o factor étnico-racial, fizeram estragos inapeláveis de tão sórdidos.
A leveza do Tribunal Constitucional aquando da sentença de José Carvalho, não terá sido a única mas foi certamente uma das razões mais relevantes para que a profanação, a ausência de acatamento, as ofensas físicas e verbais fossem crescendo, e o sentimento de impunidade lhes desse a sensação, quiçá, de que eram imbatíveis.

10 de Junho de 1995
A 10 de Junho de 1995, o país estremece com mais uma morte: a de Alcindo Monteiro. Alcindo Bernardo Fortes Monteiro, morava no Barreiro, era primo de dois dos músicos que integravam o grupo Karapinhas (Tutin di Giralda e Djone Santos), que acompanhou o rapper General D em estúdio e em espectáculos.
Nasceu no Mindelo (São Vicente), Cabo Verde. Os pais, Francisca e Bernardo, compraram um apartamento no Barreiro no fim da década de setenta. O pai foi fogueiro num ferry-boat na Alemanha e mais tarde trabalhou no Hospital de Almada. Quem conviveu com Alcindo conta que tinha uma paixão pela dança (participou inclusive em vários concursos, tendo ganho alguns) e que era um óptimo cozinheiro de cachupa e de sorriso fácil. Em 1994, ano em que Lisboa é Capital da Cultura, é lançada a colectânea RAPública, a primeira de hip-hop em Portugal pela multinacional Sony Music.
O início da década de noventa é marcado pela emergência de novos meios de comunicação, como no audiovisual: o início das televisões privadas (SIC 1992,TVI 1993), com um forte impacto nas comunidades jovens. Um exemplo disso mesmo é o programa Chuva de Estrelas da SIC onde um dos rappers desta primeira colectânea participa (Funky D).
Um dos assuntos privilegiados das televisões privadas nesses primeiros passos é o da imigração. Títulos como: ”criminalidade aumenta nas periferias de Lisboa”, ”gangs violentos atacam na margem sul”, são recorrentes durante este período. Estas televisões encontraram nos ”gangs”, na ”africanidade”, na ”desterritorialização” uma agenda mediática para angariarem audiências (um exemplo disto é a estreia do programa Casos de Polícia em 1994 na SIC e as temáticas âncora do seu alinhamento). Ao mesmo tempo que isto acontecia programas como Chuva de Estrelas ou, entre outros, o jornal Blitz davam palco a vozes e rostos disruptivos, a uma narrativa que saía dos bairros. O tempo de antena fornecido alternava entre a condescendência e o verdadeiro interesse por essas formas musicais e culturais.
Foram várias as cassetes de vídeo cedidas durante a minha investigação acerca dos primeiros anos do RAP em Portugal, pré-gravação, e da sua relação com as indústrias culturais, pós gravação, nelas vê-se/ouve-se, em freestyle, alguns daqueles que mais tarde fizeram parte do primeiro grupo de rappers a editar, uma narrativa sustentada pelo desconforto provindo dos seus receios de confrontação com estes grupos, os quais, embora minoritários, exerciam pressão ou desacatos pontuais, em datas concretas (como o 10 de Junho), entre a margem sul e Lisboa (nomeadamente o Cais do Sodré e o Bairro Alto) onde estes primeiros rappers se concentravam, em espaços de socialização e distração da noite lisboeta.
jOSé caLEIro – MMH
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